
No caso de se querer construir em zona classificada como património (seja ele municipal ou nacional) tem que haver regras pré-estabelecidas relativamente à forma de construção e ao próprio uso da construção. Eu aceito essas condições, no entanto entendo que não se pode ser demasiado rigoroso, de forma a castrar a liberdade criativa.
Deve haver discussão com quem planeia. Existem alguns exemplos de construção em locais denominados como “centros históricos” que, fugindo à regra da preservação do modo construtivo e do ambiente em volta, se revelaram obras importantes que conseguiram dignificar ainda mais o local onde se inserem.
Por vezes é imperativo que surjam obras que elevem ainda mais a característica ou identidade do local. Isso não é nada fácil de concretizar, como se pode calcular, pelo que deve haver muita discussão e muito estudo para que tudo se harmonize!
Posso citar um caso concreto para ilustrar este raciocínio. Há pouco tempo, Siza Vieira e Souto Moura resolveram retirar os jardins da Av. dos Aliados e transformar o espaço numa praça limpa. Na altura, todos protestaram, ninguém terá gostado e, pelos vistos, as pessoas continuam a não gostar. Daqui a dois ou três anos ninguém se recordará disso e… todos gostarão!
O problema é que ninguém se lembra (ou sabe) que, antes de existir a Av. dos Aliados, existia um casario que ocupava todo o espaço e que, através de um plano específico, aquela praça foi rasgada, deitando-se o casario abaixo desde a Câmara até ao Palácio das Cardosas. Imagine-se o choque que não deveria ter sido na altura!
Constrangimentos ao planeamento
Existem sempre constrangimentos aos vários planos e leis existentes para quem quer planear e construir numa zona classificada. Por vezes o arquitecto sente-se demasiado preso e não concorda com o estabelecido. Porque quem faz os planos ou as leis, não estuda caso a caso. São regras praticamente idênticas para todos os casos e, planear junto a um mosteiro não é o mesmo que fazê-lo nas imediações de um centro histórico.
Não vejo com facilidade uma obra contemporânea ser erigida junto a um mosteiro, mas consigo visualizá-la perfeitamente num centro histórico, porque o ambiente é diferente. O mosteiro é isolado, é um edifício imponente que se destaca pela sua própria forma. Um centro histórico é um conjunto de vários edifícios.
Política e planeamento
Relativamente ao lado político, por vezes as preocupações são tidas em conta. Não são certamente os políticos que vão aceitar que a população se indigne, já que os seus votos são necessários!
Mas também existe a ideia do político que prefere licenciar prédios de habitação e aumentar o número de eleitores do que preservar uma pequena igreja, quase em ruínas que fica no fundo de um vale. Eu até percebo, sinceramente que percebo!
O problema não está no político que não estudou Arquitectura ou Arqueologia, mas nos organismos que deveriam zelar pelo património, que deveriam ajudar e explicar ao mesmo politico (e população) a importância da preservação e ter autonomia (jurídico-financeira) suficiente para obrigar o político mais obtuso a reformular a sua posição!
PDM e a necessidade de planos complementares
O PDM é um importante estudo para uma abordagem de todo o tipo de património municipal, seja ele ambiental, construtivo, ou outro. A questão da preservação do património é claramente definida nesse estudo abrangente. Mas é exactamente por ser abrangente que não é rigoroso, já que apenas define estratégias urbanísticas!
O que falta são os outros estudos mais pormenorizados que vão “limando” algumas posições relativas ao plano inicial e à forma como deve ser construído em volta e que deveria ser novamente rectificado no próprio PDM.
Deve, por isso, ser um documento dinâmico apoiado nos outros planos. Mas não é o que acontece na maior parte das vezes, não contemplando de forma rigorosa as necessidades de quem planeia.
Além do PDM, que abrange o município e estabelece uma política urbana, existem os planos urbanos que vão aproximando a escala do estudo (freguesia ou localidade) e os planos de pormenor, que conforme o nome indica, são mais pormenorizados (como a escala de uma praça).
São esses vários planos que se sucedem, que podem e devem permitir que o estudo urbanístico seja mais rigoroso. Mas são planos que absorvem tempo de estudo e nem todas as câmaras possuem a capacidade humana para os criar nem tempo suficiente para interiorizar.
Falta de sensibilidade de quem planeia
Independentemente de ser ou não património classificado, existe sempre a preocupação do arquitecto em edificar uma obra que se harmonize com o ambiente existente. A única diferença está nas leis que são mais exigentes no caso do património classificado. Julgo que esta é uma das características que diferencia a Arquitectura de qualquer outra disciplina ligada à construção.
Em relação ao património construído, penso que algum do património está salvaguardado pelas leis e planos, mas infelizmente repara-se que em Portugal existem atentados gravíssimos ao património construído, para além da falta de uma fiscalização eficaz de um organismo sério e capaz. Além, claro, de uma insensibilidade atroz da parte de quem planeia.
Há falta de sensibilidade quando falamos de preservação de património em localidades cuja importância do património local não é “relevante” tanto para os políticos como para os habitantes; não há falta de sensibilidade quando falamos de património amplamente divulgado, símbolo de uma região, identificador de uma povoação que se orgulha de o ter e que o defende acerrimamente (por vezes até de forma errada).
O certo é que, muitas vezes, as pessoas esquecem-se que o património é seu, não entendem que lhes pertence e que são elas, principalmente, que deveriam zelar e criar uma política “popular” de salvaguarda! É uma questão cultural, acima de tudo.
(*) Fernando Costa, arquitecto numa Câmara Municipal, onde trabalha na área do Departamento de Planeamento.
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