sábado, 2 de maio de 2009

"O problema não está no político que não estudou Arquitectura ou Arqueologia, mas nos organismos que deveriam zelar pelo património" (*)

O PDM, tal como a sua designação indica é um plano director. Ou seja, passou por uma discussão pública e foi alvo de muito estudo sério (pelo menos assim deveria acontecer...). É um instrumento de planeamento que estabelece algumas directrizes e linhas orientadoras. Mas, a meu ver, deveria ser mais participado! É que a cidade é dos cidadãos, o ambiente construído é património de quem o vive e, portanto, deveria ser amplamente discutido por todos, como se de uma reunião de condomínio se tratasse!

No caso de se querer construir em zona classificada como património (seja ele municipal ou nacional) tem que haver regras pré-estabelecidas relativamente à forma de construção e ao próprio uso da construção. Eu aceito essas condições, no entanto entendo que não se pode ser demasiado rigoroso, de forma a castrar a liberdade criativa.
Deve haver discussão com quem planeia. Existem alguns exemplos de construção em locais denominados como “centros históricos” que, fugindo à regra da preservação do modo construtivo e do ambiente em volta, se revelaram obras importantes que conseguiram dignificar ainda mais o local onde se inserem.

Por vezes é imperativo que surjam obras que elevem ainda mais a característica ou identidade do local. Isso não é nada fácil de concretizar, como se pode calcular, pelo que deve haver muita discussão e muito estudo para que tudo se harmonize!

Posso citar um caso concreto para ilustrar este raciocínio. Há pouco tempo, Siza Vieira e Souto Moura resolveram retirar os jardins da Av. dos Aliados e transformar o espaço numa praça limpa. Na altura, todos protestaram, ninguém terá gostado e, pelos vistos, as pessoas continuam a não gostar. Daqui a dois ou três anos ninguém se recordará disso e… todos gostarão!

O problema é que ninguém se lembra (ou sabe) que, antes de existir a Av. dos Aliados, existia um casario que ocupava todo o espaço e que, através de um plano específico, aquela praça foi rasgada, deitando-se o casario abaixo desde a Câmara até ao Palácio das Cardosas. Imagine-se o choque que não deveria ter sido na altura!

Constrangimentos ao planeamento
Existem sempre constrangimentos aos vários planos e leis existentes para quem quer planear e construir numa zona classificada. Por vezes o arquitecto sente-se demasiado preso e não concorda com o estabelecido. Porque quem faz os planos ou as leis, não estuda caso a caso. São regras praticamente idênticas para todos os casos e, planear junto a um mosteiro não é o mesmo que fazê-lo nas imediações de um centro histórico.

Não vejo com facilidade uma obra contemporânea ser erigida junto a um mosteiro, mas consigo visualizá-la perfeitamente num centro histórico, porque o ambiente é diferente. O mosteiro é isolado, é um edifício imponente que se destaca pela sua própria forma. Um centro histórico é um conjunto de vários edifícios.

Política e planeamento
Relativamente ao lado político, por vezes as preocupações são tidas em conta. Não são certamente os políticos que vão aceitar que a população se indigne, já que os seus votos são necessários!
Mas também existe a ideia do político que prefere licenciar prédios de habitação e aumentar o número de eleitores do que preservar uma pequena igreja, quase em ruínas que fica no fundo de um vale. Eu até percebo, sinceramente que percebo!
O problema não está no político que não estudou Arquitectura ou Arqueologia, mas nos organismos que deveriam zelar pelo património, que deveriam ajudar e explicar ao mesmo politico (e população) a importância da preservação e ter autonomia (jurídico-financeira) suficiente para obrigar o político mais obtuso a reformular a sua posição!

PDM e a necessidade de planos complementares
O PDM é um importante estudo para uma abordagem de todo o tipo de património municipal, seja ele ambiental, construtivo, ou outro. A questão da preservação do património é claramente definida nesse estudo abrangente. Mas é exactamente por ser abrangente que não é rigoroso, já que apenas define estratégias urbanísticas!
O que falta são os outros estudos mais pormenorizados que vão “limando” algumas posições relativas ao plano inicial e à forma como deve ser construído em volta e que deveria ser novamente rectificado no próprio PDM.
Deve, por isso, ser um documento dinâmico apoiado nos outros planos. Mas não é o que acontece na maior parte das vezes, não contemplando de forma rigorosa as necessidades de quem planeia.
Além do PDM, que abrange o município e estabelece uma política urbana, existem os planos urbanos que vão aproximando a escala do estudo (freguesia ou localidade) e os planos de pormenor, que conforme o nome indica, são mais pormenorizados (como a escala de uma praça).
São esses vários planos que se sucedem, que podem e devem permitir que o estudo urbanístico seja mais rigoroso. Mas são planos que absorvem tempo de estudo e nem todas as câmaras possuem a capacidade humana para os criar nem tempo suficiente para interiorizar.

Falta de sensibilidade de quem planeia
Independentemente de ser ou não património classificado, existe sempre a preocupação do arquitecto em edificar uma obra que se harmonize com o ambiente existente. A única diferença está nas leis que são mais exigentes no caso do património classificado. Julgo que esta é uma das características que diferencia a Arquitectura de qualquer outra disciplina ligada à construção.
Em relação ao património construído, penso que algum do património está salvaguardado pelas leis e planos, mas infelizmente repara-se que em Portugal existem atentados gravíssimos ao património construído, para além da falta de uma fiscalização eficaz de um organismo sério e capaz. Além, claro, de uma insensibilidade atroz da parte de quem planeia.
Há falta de sensibilidade quando falamos de preservação de património em localidades cuja importância do património local não é “relevante” tanto para os políticos como para os habitantes; não há falta de sensibilidade quando falamos de património amplamente divulgado, símbolo de uma região, identificador de uma povoação que se orgulha de o ter e que o defende acerrimamente (por vezes até de forma errada).
O certo é que, muitas vezes, as pessoas esquecem-se que o património é seu, não entendem que lhes pertence e que são elas, principalmente, que deveriam zelar e criar uma política “popular” de salvaguarda! É uma questão cultural, acima de tudo.


(*) Fernando Costa, arquitecto numa Câmara Municipal, onde trabalha na área do Departamento de Planeamento.

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