terça-feira, 12 de maio de 2009

Pode uma Academia ficar indiferente à destruição de um Monumento Nacional?! (*)

Poucos serão aqueles que conhecem, aqui bem perto do nosso Campus de Gualtar, por de trás da encosta que contém a bela mata de árvores que enverdece a universidade, a obra hidráulica das SETE FONTES. Quem sair do Campus pelo lado da Escola de Ciências Médicas depara-se com as obras do novo Hospital e, se estiver tentado a fazer um passeio pelo que ainda resta de natureza na envolvente à UM, vai encontrar um dos monumentos mais ricos do património de Braga, as Sete Fontes.

Resumidamente, para quem ainda não conhece, as SETE FONTES constituem um sistema de captação e condução de água do século XVIII (anos mais expressivos 1744-1752) - construído na mesma época do consagrado Aqueduto das Águas Livres de Lisboa - sendo um testemunho muito rico do ponto vista artístico, técnico e ambiental, devido à arquitectura barroca das suas mães-de-água; aos elementos de engenharia hidráulica do século XVIII (condutas, respiros, caleiros, pias de centrifugação, etc.); e, particularmente, pela pureza da água que brota das suas 13 minas, ao manancial de água que contém. Além do mais, foram recentemente descobertos vestígios arqueológicos que aumentam a antiguidade e o valor do complexo, bem como elementos de biodiversidade que redobram de atenção por estarem situados em pleno perímetro urbano.

No entanto, tudo isto está em risco de desaparecer pelo abandono a que foi votado, sobretudo, por parte de quem deveria ser o seu principal zelador, a Câmara Municipal de Braga. Nas suas sucessivas revisões do Plano Director Municipal, a Câmara jamais alterou o regime de construção imobiliária prevista para o local, mesmo sabendo que este iria ser classificado como monumento nacional. Pactuando ainda com a construção de uma “auto-estrada” com cerca de 50mts de largura a passar bem a meio do sistema. No passado Domingo, dia 8 de Março, participaram muitas centenas de pessoas numa marcha cívica pela preservação e reabilitação das SETE FONTES, por forma a chamar a atenção para as ameaças de destruição que as obras do novo Hospital e da variante à estrada podem provocar ao monumento nacional. O motivo da manifestação resultou do facto de até agora ninguém ter explicado porque é que foi liminarmente despedido o arqueólogo que, no cumprimento do seu dever deontológico e profissional, alertou as autoridades para destruição de vestígios arqueológicos!

É de facto muito difícil para uma Academia ter de conviver portas meias com um símbolo de hostilidade e de paradoxo ao que na Universidade se ensina e investiga. Desde logo o sentido ético e profissional de um profissional que formamos.

Que sentido tem ensinar aos nossos estudantes as referências do desenvolvimento sustentado, que concilia o progresso (o novo hospital) com a preservação da memória de um povo (o património das Sete Fontes), quando as obras do hospital parecem estar somente preocupadas com os lucros do dono da obra?!

Que sentido faz um Hospital, que antes de mais é um equipamento de saúde e terapêutico aos mais diversos níveis, poder vir a assentar nos escombros de um atentado ao ambiente?!

Que sentido tem a investigação e o ensino do Direito quando à porta da universidade não se cumpre a Lei?! Que sentido tem a Administração Pública quando o espaço público é retalhado ao sabor dos interesses privados sem regras e transparência?! Que sentido tem a Engenharia Civil, quando um dos testemunhos da engenharia hidráulica do século XVIII está em vias de ser subvertido para o fim que foi feito?! E o mesmo diríamos para a História, a Física, a Biologia, a Economia, a Educação e todos as demais áreas do conhecimento em nos enquadramos, no momento em que pugnamos por uma Universidade de dimensão cosmopolita e internacional, que poderia ter associada um ecoparque de valor mundial, mas que de momento não desfruta mais da cidade global que temos do que um autodrive da MacDonald’s.

Assim, convido-vos a visitar as SETE FONTES e a descobrir os retalhos de natureza que ainda temos à nossa porta. Convido-vos a usufruírem de um espaço público que é de todos nós desde há pelo menos dois milénios.

(*) Reprodução do texto de opinião de Miguel Bandeira, docente da Universidade do Minho e membro da Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural (ASPA), inicialmente publicado no Jornal Académico, no passado dia 10/Mar/09

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