segunda-feira, 4 de maio de 2009

"Triturada pelos negócios, a cidade que temos é a imagem dos autarcas que temos e das elites empresariais que alimentamos"(*)

Raramente encontraremos um conflito entre a construção, socialmente necessária, e a preservação do património. Um caso que se aproximava desta rara configuração foi o da barragem de Foz Côa. Teve o desfecho que teve.

Mais raro ainda será encontrar, no espaço de uma cidade, contradição insanável entre a preservação de património construído ou natural e novas construções de habitação ou equipamentos de evidente interesse público. A cidade é entidade plástica e dinâmica quanto baste para absorver e conjugar em si a variedade da sua estratificação histórica, bem como todas as diversidades geográficas ou culturais. Uma cidade é isso: uma construção complexa que percorre o tempo, o espaço por excelência da cooperação social, harmónico e contraditório até ao caos, vivo, porque é nele, principalmente, que corre a vida de cada vez mais milhões de pessoas.

Contudo, a cidade é ou não é a sede da democracia. Quaisquer Ceausescus ou Mussolinis puderam entreter-se a terraplanar cidades de muitas gentes e de muitos tempos e a erigir deprimentes litanias de betão às suas megalomanias autoritárias. Entre nós, mais brandos que somos, o camartelo está nas mãos de restritos interesses privados, que tiveram o engenho de transformar em moeda sonante terrenos que “só serviam para criar matos” e “casas velhas e ruínas que só criavam ratos”. Nesta conjuntura, um poder camarário, como o de Braga, pode ter, e tem, um papel determinante. O presidente da câmara de Braga já se repetiu a declarar que uma cidade não pode ser feita á medida e ao gosto deste ou daquele indivíduo e dos seus amigos, como eles gostariam que fosse: não pode ser feita ao gosto da ASPA, da Braga Tempo, deste ou daquela professor ou professora da UM, em geral dos já genericamente designados “intelectuais da Brasileira”. E tem razão: uma cidade é o produto da conjugação e da contradição de uma multiplicidade incontável de vontades; agora o que não deve ser, tão-pouco, é, e por exclusão de partes, o resultado do gosto e do interesse do presidente da câmara e dos seus amigos e comparsas. Triturada pelos negócios, a cidade que temos é a imagem dos autarcas que temos e das elites empresariais que alimentamos. Porque sabemos o que a casa gasta, o programa do Bloco de Esquerda inclui, desde 2001, ano da nossa primeira candidatura autárquica, a proposta de "elaboração de uma Carta do Património Construído e Natural, a partir da qual fossem definidas Zonas Intocáveis, espaços de património que participam da memória da cidade e que devem ser tratados no sentido da sua fruição colectiva e como requalificadores das suas áreas envolventes. O programa para as Zonas Intocáveis integraria, entre outras, o Parque da Ponte, a Fonte do Ídolo, o Lugar dos Galos, os terrenos entre a Rodovia e o Rio Este (Bracalândia e área adjacente), o Parque da Sra. de Guadalupe, as Sete Fontes, o Monte do Bom Jesus e as ruínas romanas de Bracara Augusta". Qualquer cidadão minimamente atento sabe de tudo o que não tem sido feito.


(*) Custódio Braga, membro do Secretariado de Braga e da Mesa nacional do BE.

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